Para tentar resolver uma questão importante envolvendo a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na transferência de mercadorias, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, recentemente, que os Estados não poderão mais tributar o imposto a partir do ano que vem. A decisão vale para operações de um Estado para outro e entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.
Ou seja, eles têm até o fim do ano para disciplinar o uso dos créditos acumulados. A decisão serve para “modular os efeitos” de julgamento realizado pela Corte em 2021. Na ocasião, declarou-se a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Kandir. Essa lei, de 1996, previa a cobrança do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica.
Essa sistemática sobre o não acúmulo de créditos visa a compensação do ICMS devido na saída com o ICMS tributado na operação de compra. Portanto, quem comprou um item para venda tem direito ao crédito do ICMS, que deve constar no documento fiscal do fornecedor. Já no caso das transferências, um estabelecimento varejista compra – ou seja, credita – e ao remeter para outro estabelecimento debita o ICMS.
Porém, com a decisão, o cenário mudou. A partir de 2024, ao remeter a mercadoria para outro estabelecimento não haverá mais o débito (destaque) do ICMS na saída. Portanto, ao receber a mercadoria não haverá direito ao crédito.
As implicações do ICMS acumulado
Posto isto, ao transferir os créditos aos seus estabelecimentos, muitas empresas ficarão com estoque altíssimo. Daí, a pergunta é: o que fazer com esses créditos?
Há uma dúvida imensa e, de certa forma, existe até certa insegurança jurídica. Isso porque, conforme a decisão do STF, os Estados devem se organizar até o fim de 2023 e trazerem disposições que regulamentem a utilização desses créditos.
Porém, se considerar que a tributação do ICMS na movimentação entre estabelecimentos do mesmo titular é inconstitucional, surgem dois potenciais problemas. O primeiro trata da manutenção do crédito no estabelecimento inicial. Já o outro refere-se ao crédito já aproveitado no segundo estabelecimento.
Nunca é demais lembrar que a utilização de créditos acumulados do ICMS pode ser uma fonte para aliviar o fluxo de caixa das empresas. Portanto, a manutenção desses créditos é um dos maiores problemas tributários.
Como tirar proveito do ICMS?
A princípio, é importante lembrar que os créditos acumulados, após homologados, podem ser usados para pagamento do ICMS importação. Além disso, também serve para a quitação de débitos da empresa com o Fisco estadual, bem como podem ser transferidos a terceiros e utilizados no pagamento de fornecedores.
Com isso, espera-se que os estados facilitem ainda mais a utilização dos créditos acumulados que poderão permanecer nos estabelecimentos, em razão das transferências com não incidência do ICMS. Apesar de toda a burocracia e complexidade na preparação dos dados, a geração e apropriação desses créditos pode trazer alívio de caixa imediato aos negócios.
Vale salientar que o crédito acumulado do ICMS é oriundo de um “Saldo Credor” do ICMS derivado de operações beneficiadas com alíquotas diversificadas, não incidentes, isentas ou com redução de base de cálculo, cujo a manutenção do crédito pela entrada está assegurada pela legislação.
ICMS e os benefícios
Como forma de beneficiar os bons contribuintes, uma portaria do Fisco do Estado de São Paulo, de meados de agosto de 2022, regulamenta o processo de apropriação de crédito acumulado. A partir dela, não há a necessidade prévia de verificação fiscal nem de apresentação de garantias para as empresas que estão em conformidade fiscal e com notas A+, A e B no ‘Programa Nos Conformes’, de estímulo à conformidade tributária.
Até então, o referido programa parecia ser mais uma forma de controle e de fiscalização subjetiva. Contudo, trouxe de fato procedimentos para a aceleração do processo de homologação do crédito acumulado do ICMS, estabelecendo o percentual de liberação do crédito acumulado com base na avaliação, podendo ou não haver a necessidade de garantia do valor.
Por outro lado, o acúmulo de crédito pode ser um problema. Por isso, as empresas que mantém um alto valor de crédito em seus balanços sem a certeza de sua realização precisam trabalhar essa situação.
Como não são custos, esses créditos acumulados, que representaram saída de caixa no pagamento dos insumos e mercadorias, acabam sendo indiretamente tributados pelo Imposto de Renda (IR) até sua baixa definitiva. Isso porque, via de regra, não se realizam. Além disso, há uma perda financeira decorrente do dinheiro parado no tempo.
ICMS e o STF
Seja como for, fato é que todas as normas e o posicionamento do STF levaram os contribuintes a repensar o modelo de negócio. Por isso, é primordial que a análise do impacto se inicie com o trabalho de revisão fiscal, além de cruzamentos de informações entre obrigações acessórias.
Para tanto, é necessária uma avaliação dos procedimentos adotados pela empresa para validação dos créditos aproveitados, bem como a separação do crédito acumulado do saldo credor e a identificação de créditos que possam ser questionados pela Receita Federal.
*Fabrício do Amaral Carneiro é sócio atuando na área de Tributos Indiretos do escritório De Biasi Auditoria, Consultoria e Outsourcing, MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – GV Law, atua há mais de 18 anos na área de consultoria tributária e fiscal.
Fonte: Money